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Do conhecer-se a ti mesmo ao desconhecimento de si mesmo – olhar descontínuo sobre a quirologia. Pesquisa acadêmica sobre a leitura de mãos

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Nessa sessão vou contar um pouco da minha experiência de vida com a leitura de mãos e dos obstáculos que encontrei, encontro e tento superar frente às minhas escolhas. Comecei a ler mãos misteriosamente, aos 8 anos de idade. Simplesmente me vi olhando a mão de uma professora de escola e dizendo a ela dificuldades de sua vida que estava passando. Com o tempo eu percebi que tinha um registro de memória riquíssimo sobre como ler as mãos. Hoje atribuo esse fator e seu aparecimento aparentemente “do nada” como uma herança de vidas passadas.

Desde os oito anos nunca parei de ler mãos de diversas pessoas. Conforme ia crescendo, eu mesma questionava como isso podia ser possível, como as mãos refletem linhas que contam nossas histórias? A partir dessas perguntas nasceu em mim uma curiosidade ingênua, que com o passar do tempo foi se tornando uma curiosidade epistemológica. Conversas com intelectuais, céticos, espiritualistas, fanáticos, físicos, engenheiros, ciganos, psicólogos, enfim, dos mais variados tipos de pessoas e idéias fui percebendo como era difícil entrar cientificamente no campo da quirologia. O grande motivo de isso acontecer é que cada pessoa tinha uma idéia da leitura de mãos, e cada pessoa se baseava nas suas experiências e história de vida para construir essa idéia, ou melhor, essa imagem.

Percebi que para entender a quirologia precisava entender tudo que as pessoas podiam recorrer para pensar nela. Nisso acabei desenvolvendo uma pesquisa acadêmica sobre a imagem da leitura de mãos.

Como já foi explicado, a posição marginalizada da quirologia e suas diversas atribuições foram o ponto de partida para o objetivo da pesquisa que realizei. Sob a luz da semiótica social (area de estudo que se ocupa com a os signos e a formaçao de significados), empenhei-me em uma verificação da imagem da quirologia por pessoas com nível de escolaridade, superstição e crenças variadas[1], assim como quais fatores poderiam ser intervenientes no processo de atribuição de significado por cada indivíduo. Além do significado da quirologia para os indivíduos pesquisados, pude também ter a chance de observar a precisão atingida por minha técnica de leitura de mãos na percepção dos mesmos. Os participantes da pesquisa responderam dois tipos de questionario e deram suas impressões antes e depois de passar pela experiencia de leitura de mãos. Eram pessoas de variadas crenças, níveis de escolaridade e grau de superstição. Verifiquei quais desses fatores seriam variáveis intervenientes para a construção do significado da quirologia por parte dos pesquisados, ao passo que uma observação da precisão da técnica empregada também foi apreendida.

Assim, me submeti a ler as mãos de 30 pessoas, das mais diversas possíveis, desde pessoas que acreditavam até pessoas que achavam que a leitura de mãos não passava de puro charlatanismo. Além da pressão dos participantes, durante todo processo fui observada por pesquisadores. A seguir disponibilizo aos meus alunos mais curiosos a conclusão de minha pesquisa acadêmica, realizada no ano de 2006 a 2008, em Belo Horizonte, sob a orientação da doutora em Semiótica Social, Cássia Helena Pereira Lima. Essa pesquisa foi avaliada por uma banca de quatro doutores, incluindo mais uma doutora em semiótica social pela UFMG, foi aprovada com louvor, alcançado a nota máxima de 100 pontos.

Lembrando que o texto a seguir está aos moldes da linguagem acadêmica.

 

Conclusão e considerações finais da pesquisa sobre leitura de mãos

A curiosidade de fundo epistemológico que gerou essa pesquisa, ao encarar a quirologia, esteve em primeira instância voltada para a natureza sígnica de sua teoria, no fato dos símbolos representarem a base teórica para suas interpretações. A vontade era estudar essas interpretações em contraposição com as interpretações realizadas pela semiótica. Porém, o percurso do caminho, desde a apresentação do projeto de pesquisa, até seu desenvolvimento, que colocou 30 pessoas em contato direto com a experiência da quirologia, deparou-se e guiou-se com uma diversidade de indivíduos que se posicionaram em grupos de interpretação distintos frente ao objeto de estudo. A percepção da pesquisadora, sob acréscimo da sugestão de sua orientadora de pesquisa, tomou como primeiro passo estudar a quirologia sob a luz da ciência, a identificação de sua imagem e significado, tanto antes quanto após o contato com a leitura de mãos.

Com o objetivo pautado no estudo da determinação de opiniões sobre a quirologia, a estratégia foi captar o que as pessoas pensavam sobre, e feito isso, nada melhor que proporcionar a esses, uma vivência com a leitura de mãos. Passada a experiência individual, foi possível captar mudanças na visão dos pesquisados, pelo conteúdo das declarações registradas em questionário e pelas informações emitidas informalmente. A maior dificuldade foi identificar quais motivos, ou seja, quais fatores poderiam influenciar as opiniões, sentimentos, condutas e o por quê.

Os dois questionários de cada um dos 30 participantes tiveram seus conteúdos analisados individualmente e depois, os 60 foram agrupados em semelhanças de interpretação bem como os dados extraídos das gravações. As variáveis consideradas, nível de escolaridade, crença e grau de superstição, não revelaram incidir interferência nas interpretações gerais acerca do objeto de estudo. Salvo a dúvida acerca de duas participantes que parecem, o que não é certeza, terem usado o viés religioso para formular suas considerações acerca da leitura de mãos.

Os resultados acadêmicos revelaram ainda, mesmo depois do contato com a leitura de mãos, várias visões acerca da quirologia. A tentativa de cada indivíduo de compreender a experiência que viveram, em todos os casos revelou a necessidade de reconhecimento da linguagem quirológica com o contexto histórico pessoal, mas, em alguns casos deixou evidencias de uma atribuição de significado em via de outros aspectos do contexto pessoal. Essa explicação é referência às pessoas que deram, em suas interpretações, um sentido esotérico a vivência, em associação com a adivinhação e com outras formas oraculares como o tarô, os búzios entre outros. E também aqueles que consideraram a intuição como ferramenta da quiróloga. Essa visão, sugere um encerramento da quirologia no círculo da crença, que independe de qualquer validação cientifica, pois é motivado pelo mistério da fé.

 Em contrapartida às interpretações descritas anteriormente, também revelaram posições neutras, no sentido de não tomarem um caráter frente ao que conhecem pouco, posições reflexivas, acerca da possibilidade de lógica na técnica ou também na possibilidade de ser uma ferramenta relacional, e posições negativas, no sentido de associação ao charlatanismo. Essa variedade de sentidos, torna evidente que a vivência com a quirologia, possibilita múltiplas leituras e a construção de significado envolve considerações subjetivas, onde cada ponto de vista é material de edificação, e a questão de que nem toda subjetividade passou por um juízo racional.  Tal aspecto impôs a pesquisa indagar sobre a natureza desse receptor e ao mesmo tempo leitor de possibilidades já que é possível perceber uma correlação entre a assimilação do indivíduo com seus repertórios culturais e taxas informacionais. A avaliação do controle individual dos pesquisados após as leituras, bem como da própria quirologia e dos ciganos foi fundamental para o resultado.

Ou seja, o olhar que se pode direcionar a quirologia envolve o desconhecido, já que os pesquisados, salvo a Jornalista, não conheciam como o procedimento da leitura de mãos é realizado. Nada se pode estabelecer em termos científicos e comprobatórios sobre o assunto até então, e qualquer disposição de vivência com a mesma envolve algo oculto. O oculto, no mundo, já possui uma construção de valor, por meio de um histórico que se separou de explicações lógicas e se aproximou de mistérios que só podem ser compreendidos por meio da experiência única de cada indivíduo. O olhar diante da quirologia sugestionou a interpretação da pesquisadora a possibilidade de envolver:

  • construção subjetiva de cada um. Onde entende-se por subjetividade “a compreensão que temos do nosso eu, que por sua vez envolve pensamentos e emoções. Nós vivemos nossa subjetividade em um contexto social no qual adotamos identidades, ou seja, as posições que assumimos e com as quais nos identificamos é que constituem nossas identidades” (Vieira apud Lima, 2005, p. 51);
  •  julgamento do assunto envolver tanto o lado emocional como o racional;
  • aceitação por via do oculto, ou negação. O oculto remonta a construção do sobrenatural, do inexplicável, do que acontece misteriosamente em experiências particulares impossíveis de serem registradas no momento em que acontecem;
  • associação com a imagem dos ciganos, que, ou é elevada por um ideal de magia e liberdade ou é marginalizada, ressaltando que na literatura encontrada a apresentação dos ciganos é normalmente negativa, já que só foram encontrados registros históricos sobre eles quando causavam algum problema, porém pode-se citar um grande desenvolvimento no comércio que quebra práticas hegemônicas e uma contribuição expressiva na música e na dança;
  • a consideração do oculto abarca a aceitação de cada indivíduo e retorna a um elemento secundário da subjetividade, que diz respeito a posição religiosa ou espiritual de cada um. E também a polarização do mundo do conhecimento dividido em quatro vias de regra: ciência; religião, tendo que a ciência pode ser a religião de alguns; filosofia e senso comum.

 

Percebe-se que a realização dessa pesquisa, nada encerra por não esgotar-se em si mesma, sobretudo provoca outros trabalhos frente a constatação de múltiplas leituras.Constatou-se que a imagem da quirologia, como no princípio, continuou sendo cominada de variadas formas, de certo que ocorreram mudanças em posicioná-la positivamente como algo capaz de revelar sobre os indivíduos, porém, as imagens, sejam positivas ou negativas reforçam a dúvida em torno da natureza da quirologia. O que vislumbra trabalhos a serem realizados em tempo futuro, que encontrem alguma maneira de esclarecer a teoria quirológica.

A estratégia de pesquisa que colocou os observados frente à aplicação da teoria apresentada pela quirologia, pode também atender o objetivo de verificar a precisão da técnica na percepção dos entrevistados, apontando indícios de acuidade. Em outras palavras, das 30 pessoas pesquisadas, 29 declararam precisão das informações passadas pela leitura de mãos em comparação as suas vidas. Todavia, esses indícios são dados insuficientes para conclusões fechadas acerca de sua eficácia, mas, podem ser vistos como grande estímulo para realização de novas pesquisas, que tenham em seus objetivos averiguar com uma estatística mais apurada e uma observação mais ampla, o nível de precisão das informações passadas por teorias quirológicas.

O trabalho não tinha pretensão de dar respostas conclusivas, mas cumpriu o objetivo de dar o primeiro passo, visto que não foram encontrados trabalhos acadêmicos sobre o assunto. Fica a hipótese, interstício de reflexão de alguns pesquisados, de haver uma lógica de aplicabilidade técnica, capaz de revelar sobre as características das pessoas, como nas palavras do Advogado, um dos pesquisados, com as quais finalizamos com a certeza de que grande ainda é o caminho pela frente: a primeira experiência mostrou-me que há uma “linguagem” com um possível viés de natureza objetiva, talvez a história nos deixe mais que rugas e cabelos brancos.


[1] A amostra deu-se em 30 pessoas. Em face da necessidade de escolher uma parte representativa da diversidade do todo (MARCONI; LAKATOS, 2007), considerou alguns critérios balizadores: faixa etária, grau de escolaridade, profissão e crença religiosa.

Em relação à faixa etária, foram selecionadas pessoas acima de 23 anos, já que apresentam um desenrolar histórico pessoal considerável para reconhecer suposições colocadas pela análise da leitura de mãos, ou seja, apresentam subsídios para avaliar se as considerações eram pertinentes e coincidentes com seu desenrolar de vida.

Em relação ao critério de escolaridade considerou-se o do Ministério da Educação e Cultura – MEC de divisão da educação escolar em básica e superior. Segundo a definição desse órgão (apud LIMA, 2005, p. 77):

(…) a “educação básica” (…) de acordo com a lei 9424/96, é formada por educação infantil, ensino fundamental e ensino médio e refere-se a toda uma gama de atividades educacionais que têm objetivo de atender as necessidades básicas de aprendizagem definidas na Declaração Mundial sobre Educação para Todos. A “educação superior” é a ministrada em instituições de ensino superior públicas ou privadas, com vários graus de abrangência e especialização, e tem como objetivos, entre outros, estimular a criação cultural, o desenvolvimento do espírito científico e o pensamento reflexivo; formar diplomados nas diferentes áreas do conhecimento, aptos para a inserção em setores profissionais e para a participação no desenvolvimento da sociedade brasileira.

Seguindo essa atribuição que infere o fato do Brasil, em sua realidade educacional não corresponder à teoria descrita, essa definição foi utilizada para padronizar participantes com educação básica (completa ou incompleta) e com educação superior subscritos em nível de graduação (completa) e pós-graduação (completa).

No quesito profissão, tomou-se a ocupação principal do participante para concernir sua modalidade de atuação. Em relação à crença, assumiu-se por classificá-los em católicos, evangélicos, espíritas, de religião própria (aqueles que têm uma definição própria de sua crença, tomando a existência de um Deus, sem se encaixar em instituições existentes), umbandistas e ateus. Procurou-se também variar o número de homens e mulheres.

Foram selecionados 30 participantes por acessibilidade, de maneira não-probabilística, já que todos os membros da população tinham a chance de serem escolhidos (MARCONI; LAKATOS, 2007), de maneira intencional e por tipicidade. Ou seja, foram escolhidos representantes de cada um dos subgrupos balizadores. Essa seleção foi realizada de maneira gradual, à medida que os entrevistados compunham o corpo da pesquisa, verificava-se quais subgrupos já estávam preenchidos e quais características opostas ainda faltavam a fim de comparar diferentes variáveis possíveis. Essas diferenciações e disparidades foram requeridas para compor o critério suscitado por Vergara (2007) que descreve a necessidade de variar as características dos selecionados a fim de colher informações ou verificar o tema de estudo em diversos níveis e contextos.

Em decorrência da pesquisadora obter o conhecimento para realizar a leitura de mãos, alguns critérios foram adotados a fim de evitar a suspeita de direcionamento da pesquisa por parte da autora e assim, garantir a acuidade e possibilidade de verificação do método utilizado. O primeiro critério consiste na seleção dos participantes, foram convidadas pessoas conhecidas e desconhecidas da pesquisadora, selecionadas pela orientadora desse estudo, para minimizar a possível utilização de informações de conhecimento prévio a respeito da vida pessoal dos participantes. E o segundo consiste na postura dos entrevistados, que a pedido ora da orientadora, ora da pesquisadora, permaneceram em silêncio, sem promover interrupções ou emitir informações ou opiniões durante o ato da leitura de mãos.

A pesquisa referente à imagem social e à natureza da quirologia foi feita por meio de pesquisa, com dois tipos de questionários estruturados aplicados nos 30 participantes. O primeiro, anterior à consulta quirológica, que visou um mapeamento das expectativas e conceituações do entrevistado. O segundo estruturado, aplicado pela orientadora com a ausência da pesquisadora, a fim de não constranger o participante. Esse intencionou mapear a natureza da opinião após a consulta para identificar modificações em relação ao primeiro questionário e, principalmente, registrar as considerações de cada entrevistado em relação ao objeto de estudo. De tal modo, 30 consultas foram realizadas entre os meses de novembro e dezembro de 2008. Todas elas foram arquivadas sonoramente. A pesquisadora não teve acesso ao questionário sem antes terminar as 30 leituras de mãos, para não modificar sua atuação quirológica com os entrevistados. Permitiu, depois de cada consulta, que cada participante falasse livremente e seus discursos também foram gravados e utilizados para a compreensão da interpretação pessoal dos selecionados em relação a quirologia.

Para identificar esses 30 participantes, optou-se mencioná-los por sua ocupação profissional seguido de sua orientação religiosa. Salva também fazer referência ao estado de emoção que alguns entrevistados expressaram depois da experiência, contando fatos de suas vidas que foram abordados durante a leitura numa espécie de catarse, essas descrições serviram, anonimamente, como base para uma tentativa maior de compreensão da quirologia. A amostra alcançou certa heterogeneidade em relação a sexo, nível de escolaridade, profissão e crença.