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Ciganos compondo o imaginário popular em torno da leitura de mãos

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A história da leitura de mãos no ocidente foi formada pela história dos ciganos

Como estamos conhecendo a fundo a leitura de mãos, não basta saber como realizá-la, mas também saber como sua imagem social foi formada ao longo da história. Em pesquisa acadêmica que realizei, trinta pessoas que participaram da pesquisa associavam a leitura de mãos ao povo cigano. Logo pode-se averiguar que a posição marginalizada da leitura de mãos, onde pode ser vista de variadas formas, desde ferramenta “oracular” até a imagem de puro charlatanismo, estava ligada a história, imagem e estereótipos do povo cigano. Ao longo da história, tanto a quirologia como a quiromancia estiveram ligadas aos povos ciganos, cuja cultura exclui a documentação escrita. Mas, por meio de fatos como figuras e histórias populares, é possível averiguar este vínculo. Frente a popular associação entre a leitura de mãos e a etnia cigana, para os que desejam conhecer mais sobre o imaginário em torno da quiromancia, desenvolveu-se uma área do trabalho em torno da origem, imagem social e peculiaridades culturais em torno do povo cigano.

 

 

 

AFINAL, QUEM É CIGANO?

“Estar diante do cigano era estar diante da diferença extrema, fragmentadora. Agindo como elemento de decomposição da suposta unidade que constituía a sociedade mineira, os ciganos catalisavam conflitos e davam vazão a incertezas. Disso resultou, muitas vezes, uma coisificação dos ciganos, e consequentemente as mais variadas formas de violência contra eles”.

(TEIXEIRA, 2007, p. 137)

Para compreender todos os contextos que envolvem a quirologia, optou-se uma abordagem da etnia cigana frente sua popular associação com a leitura de mãos. Entender qual é a imagem dos ciganos levantada por estudiosos como Fraser (2007), Moonen (2008), Liégeois (2005) e Teixeira (2007) levanta subsídios teóricos que enriquecem o entendimento do contexto da quirologia.

Contar a história de um povo errante que exclui a tradição escrita é um tanto complicado, ainda mais que os registros sobre eles foram escritos somente quando causavam algum problema. No Brasil, a abordagem literária acerca dos ciganos é rica em comunhão com o ocultismo, porém, escassa em abordagens históricas em nível de história, sociologia e antropologia. Traduções de trabalhos estrangeiros também são poucos, como por exemplo, o trabalho de Nicolle Martinez (1989), cujas considerações estão em nível hipotético.

A presente abordagem fundamenta-se no trabalho de Angus Fraser (2005), que fez uso de quatro referências para a construção da probabilidade da origem étnica cigana:

• pela evidência lingüística (grande semelhança entre o Romani, língua cigana e o Sânscrito, idioma de origem indiana falado em territórios iranianos antes de 300 a.C. como resultado do avanço de Alexandre Magno no noroeste da Índia em 327-326 a.C.);

 • por paralelos étnicos;

• através de estatísticas lexicais;

• por meio de estudos da antropologia física.

Segundo o autor, esse povo errante chegou às paragens Bálcãs no período medieval e foi se espalhando pelo mundo de maneira gradual. Chegaram disfarçados de peregrinos e despertaram uma intensa curiosidade, consequentemente, segundo Fraser (2005) teorias sobre suas origens se ploriferaram. Somente mais tarde foi possível deduzir por meio de sua língua de onde partiu sua diáspora. Durante os séculos, apesar da constante exposição a múltiplas influências e pressões, conseguiram conservar uma identidade diferente e demonstrar um notável poder de adaptação e sobrevivência. A sobrevivência, segundo o autor, é a principal conquista dos ciganos.

É um povo com idioma, cultura e um tipo racial comum, mas, segundo o autor, foi-se o tempo que podiam ser facilmente distinguidos, pois na atualidade, encontram-se consideravelmente diversificados. Outro fator semelhante a ser considerado é o que ocorreu através dos séculos com o significado atribuído ao término “cigano”. Tal como as variadas teorias de origem, o significado atribuído a nomenclatura apresentou um problema semântico não reivindicado pelos ciganos. O termo costumou ser aplicado indiscriminadamente a qualquer membro itinerante da população que não fosse obviamente um vagabundo. Algumas depreciações acresceram esse sentido amplo, no caso da língua britânica, ter o equivalente “traveller” assim como similares equivalentes em outros idiomas. A descrita equivalência designa cigano a qualquer viajante, fazendo possível a associação com os itinerantes tinkers, ou com os atuais adeptos da ideologia hippie ou New Age, que optam voluntariamente ao estilo de vida nômade. Qualquer descrição satisfatória, nas palavras de Fraser (2005) não está livre de ambigüidades.

Os perigos dessas designações podem ser verificados na evolução do vocábulo “cigano” nas leis britânicas em finais da década de 1950. Fraser justifica o exemplo britânico para generalizar o todo (no sentido das diversas localidades geográficas) já que os problemas de definição se fizeram mais agudos na Inglaterra, devido aos muitos elementos não romanis na ascendência de sua população cigana, acrescida da larga história de outros grupos nômades que existiam muito antes da chegada dos ciganos e que se ocultaram mutuamente em muitos aspectos da vida social no sentido de “ganhar a vida”. Durante período citado, os ciganos foram despojados de toda significação étnico ou racial, primeiro acidentalmente logo de forma deliberada. O desígnio cigano chegou a especificar “grupo de pessoas que cometiam um delito se acampassem ou montassem um posto”. Segundo Fraser (2005) o problema semântico já estava tão complexo que somente os tribunais poderiam resolver. O problema só foi resolvido quando foi aprovada uma Ata de Lugares para Caravanas em 1968 que regularizou a provisão de acampamentos ciganos, porém não garantia um significado que considerasse origens ou traços étnicos, apenas pelo estilo de vida. A regularização do sentido étnico ao significado de cigano ocorreu em 1965 por meio da Ata de Relações Internacionais contra a discriminação aos ciganos recorrente na época.

 Segundo o autor, esses debates ingleses servem para ilustrar debates em tribunais que se dão desde a chegada dos ciganos na Europa, e esses servem para demonstrar um “importante dilema que se nega a desaparecer em qualquer discussão sobre os ciganos: é a forma de vida o fator primordial em sua definição?” Apesar de ainda não haver uma resposta conceitualmente habituada em sociedade, deve-se considerar que os ciganos possuem as características essenciais para distinguir um grupo étnico: primeira, uma larga história compartilhada, do qual o grupo é consciente por se distinguir de outros grupos e cuja memória mantêm viva; a segunda é uma tradição cultural própria, o que inclui costumes e comportamentos familiares e sociais, associados em parte, mas não necessariamente, com práticas religiosas originais e definidas. Outras características que não essenciais seriam: uma origem geográfica comum, uma literatura comum, própria do grupo; uma religião diferente dos grupos vizinhos ou da comunidade geral e ser uma minoria ou ser um grupo oprimido no interior de uma comunidade mais ampla.

Diante dessa visão ocidental regulamentada questiona Fraser (2005): que orientação se pode esperar dos próprios ciganos, considerando que sua própria atribuição um importante mecanismo para delinear a identidade étnica? Não existe em romani qualquer vocábulo correspondente a cigano. Segundo o autor, é inacabável o debate a respeito de quem é verdadeiramente cigano e quem não é. Também é inútil falar em términos geográficos como “os ciganos franceses” e se faz difícil e enganoso generalizar sobre “os ciganos”.

Na contribuição de Moonen (2008), em decorrência da nomenclatura, cigano é um termo genérico inventado na Europa do século XV e que ainda hoje é adotado por falta de outro melhor. Segundo o autor, os próprios ciganos costumam usar autodenominações completamente diferentes.

Diante da grande diversidade enfatizada por Fraser (2005), Moonen (2008) apresenta a distinção de três grupos, reconhecidos tanto pelos ciganos como os pelos ciganólogos:

1. Os ROM, ou Roma , falam a língua romani; divididos em vários subgrupos, com denominações próprias, como os Kalderash (Kalderash = caldeireiros), Matchuaia, Lovara, e os Curara. Predominância nos países balcânicos, mas a partir do Século XIX migraram também para outros países europeus e para as Américas. Os mais estudados e descritos, se auto-denominam “os ciganos autênticos”.

2. Os SINTI, falam a língua sinto e são predominantes na Alemanha, Itália e França, onde também são chamados Manouch;

3. Os CALON ou KALÉ, língua caló, predominantemente ibéricos, já que vivem principalmente em Portugal e na Espanha, onde são mais conhecidos como gitanos, mas que no decorrer dos tempos se espalharam também por outros países da Europa e foram deportados ou migraram inclusive para a América do Sul. Apresentam maior nomadismo, no sentido de não ficarem por muito tempo em um único lugar. Segundo Moonen (2008), aparentemente, nada se sabe sobre eles no Brasil, e pouco na Europa. No Brasil pode-se encontrar ciganos desses três grupos.

E depois dessas divisões e divisões Moonen (2008, p.3) conceitua: Apesar de todas estás dificuldades, definimos aqui cigano como cada indivíduo que se considera membro de um grupo étnico que se auto-identifica como Rom, Sinti ou Calon, ou um de seus inúmeros sub-grupos, e é por ele reconhecido como membro. O tamanho deste grupo não importa; pode ser até um grupo pequeno composto de uma única família extensa; pode também ser um grupo composto por milhares de ciganos. Nem importa se este grupo mantém reais ou supostas tradições ciganas, ou se ainda fala fluentemente uma língua cigana, ou se seus membros têm cara de cigano ou características físicas supostamente ciganas. (Ibidem, 2008, p. 3)

Há hoje uma consciência por parte dos ciganos de fazer parte de uma entidade maior (FRASER, 2005). Prova disso é o aparecimento e desenvolvimento desde os anos 1960 de organizações nacionais ciganas, em defesa própria, para garantir o reconhecimento dos direitos ciganos e para lutar contra as políticas de rejeição e assimilação. Essas organizações têm conduzido laços internacionais que são contrários ao fragmentado cigano, a ênfase é a diferença e a distinção. Consolida-se o principio de uma nova consciência dos laços históricos e culturais que compartilham todos os ciganos.

Sem embargo, Fraser (2005) afirma que depois de séculos, os ciganos tem todo direito de serem considerados um “povo da Europa”, visto que grande parte da população européia tem ascendência neles, estando entre os poucos “pan europeus” do continente.

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ORIGENS DOS CIGANOS

Cena do filme "Latcho drom" de Tony Gatlif

Os próprios ciganos, como grandes estudiosos do tema cigano, a citar o cineasta Tony Gatlifh consideram evidente as semelhanças entre os ciganos e os hindus para a dedução de que suas origens partem da Índia. Segundo Fraser (2005) alguns ciganos que decidiram na época moderna estudar e investigar suas origens sentiram-se atraídos pela hipótese que convergia seus antepassados com os guerreiros jat e rajbut, que formavam a segunda categoria entre as quatro castas da sociedade hindu.

Há registros na história persa que também apontam a possibilidade de terem saído da Índia, todavia, o leitor mais cético não se satisfaria com essas conclusões. Nas palavras de Fraser (2005), a língua romani como seu povo, tais como a língua e as populações da Índia estiveram expostas a múltiplas influências históricas, demográficas e sociolingüísticas durante os séculos e a conclusão que aponta para a Índia ainda não pode ser fechada. Sem ignorar as considerações de Fraser, acerca da língua falada na Índia não garantir que ciganos eram daquela região, hipótese que abre a necessidade de provas complementares, a nível cultural, Moonen (2008) gradua:

Desde então, a origem indiana nunca mais foi colocada em dúvida e linguistas posteriores apenas têm acrescentado mais dados comprobatórios, restando hoje apenas dúvidas sobre em que época ou épocas, e em que parte ou partes da Índia estás línguas eram faladas, admitindo-se em geral que tenha sido a região noroeste da então Índia (atual Paquistão), por volta do ano 1000 da era cristã. (Ibidem, p. 2)

Algumas pressuposições especulativas contribuírem para densificação do estereótipo cigano, conforme Liégeois (2005). Essas histórias já populares possuem diversas versões, uma delas toma os ciganos como descendentes daqueles três homens que crucificaram Jesus Cristo e por isso passaram a andar sem parada como castigo. Outra história os tem como descendentes de Adão e Eva, os filhos de Caim marcados pela marca escura e que estavam destinados a viver sem parada. Há também o relato de que eles acolheram a Virgem Maria, assim como Maria Madalena e Santa Sarah Kali (não canonizada pela Igreja Católica Apostólica Romana), vagando pelo mundo para guardar os segredos ocultos deixados por Jesus Cristo e oprimidos pelo império romano. Enfim, esses relatos ou tendem para uma marginalização dos ciganos (em seu maior número) ou para uma visão romântica e enaltecedora dos mesmos.

Nas considerações de Liégeois (2005) como nas de Fraser (2005), por meio de documentos tem-se um provável apontamento da dispersão dos ciganos. O primeiro documento vem da antiga Pérsia, atual Irã, por meio de uma história contada pelo poeta Firduci e que tem similaridades com os poemas Sufis e com a estória contada pelo históriador Hamza de Ispahám. O poema é um épico persa do Shahnameh ou “livro dos Reis”.

Da Pérsia os estudos apontam seguidamente para o Egito, Império Bizantino e Bálcãs, Servia, Bulgária, Walaquia, Moldávia (atual Armênia) partindo grupos para o oeste como para o este e expandindo-se por toda a Europa e dela alcançando as Américas. Essa seqüência ocorreu em ondas migratórias

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PRESSÃO HISTÓRICA SOBRE OS CIGANOS

Nas palavras de Fraser (2005), dentro de uma Europa Ocidental, onde todos se viam obrigados a viver uma vida de servidão, de trabalho pesado e de piedade, os ciganos representavam uma negação de todos os valores e premissas essenciais em que se baseavam a moralidade vigente. Duas entidades, ao longo da Idade Média representavam as bases do modelo de vida ocidental: o Estado, que em sua trajetória de consolidação definia pactos sociais que garantiam os direitos dos considerados cidadãos; e a Igreja, seja em sua variante Católica Apostólica Romana ou nas múltiplas protestantes, que chamavam o indivíduo moralmente ou para o cumprimento dos sacramentos e palavras doutrinárias. Invariavelmente os chamados ciganos em suas tradições e modelos de vida rompiam com a vigência dessas entidades. Pode-se citar a falta de registro de muitos ciganos, o modelo de vida que violava a propriedade privada, o casamento deles independer de alguma sanção seja do institucional religioso ou do estado, a justiça “a parte”. Essa abstenção os colocava como não cidadãos isentos dos direitos comuns aos indivíduos das sociedades por onde passavam.

A contar com o fator da multiculturalidade, visto que em suas trajetórias assimilaram variadas culturas, o povo cigano carregava o caráter do desconhecido ficava exposto a uma incisiva visão etnocêntrica dos não ciganos e, consequentemente com uma dificuldade de inclusão social, seja em nível econômico ou cultural. Conforme Fraser (2005) por onde passaram são registradas violências contra os ciganos, na forma de racismo, exclusão, expulsão, xenofobia, assimilação, extirpação e perseguição. Pode-se citar Kossovo, após o legado do Império Otomano (MARUSHIAKOVA e POPOV, 2001), e a perseguição nazista, na tentativa de exterminá-los da Alemanha.

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IMAGENS E ESTERIÓTIPOS DOS CIGANOS

Quando se fala em imagem de ciganos, tanto Fraser (2005) como Ligeóis e Teixeira (2007) remontam a imagens pintadas por artistas não-ciganos ou representadas em gravuras ou ilustrações para delinear uma visão, mesmo que de produção individual, propagada socialmente.

Fraser (2005) começa pelo vestuário, a identificar que roupas ciganas converteram-se no mundo em paradigma do exótico. Segundo ele, diversas pinturas e gravuras dos Países Baixos com temas religiosos, recorreram ao tipo cigano para representar mulheres orientais e especialmente egípcias. Motivos similares se fizeram populares entre os pintores italianos durante a segunda metade do século XVI. Outros modelos representavam uma cigana lendo mãos enquanto um garoto roubava a bolsa. Segundo Fraser (2005), a composição representa a implantação de um estereótipo concreto na mente do público. Também cita a farsa de Gil Vicente onde as ciganas são adivinhas impenitentes e os ciganos são viajantes de barcaças. Uma peça teatral suíça anônima de 1475, em uma na cena se pede que se fechem todas as portas e janelas da casa, tranquem o estábulo e recolham as galinhas pois vão passar os ciganos. Outra peça de Hans Sachs, quase da mesma época, associava os ciganos ao roubo, à bruxaria e à artimanha.

A prática da leitura de mão e da adivinhação sempre esteve vinculada a esse povo. Suas imagens européias mais antigas retratam essa atividade. Em geral, os associam a uma carga negativa para os moradores da região por onde passavam. É enfatizada a cor escura de suas peles, assim como cabelos sempre volumosos e negros ou ainda os descreve comparando-os com animais.

Segundo Teixeira (2007), no final do século XVIII e inicio do XIX houve a emergência de uma nova imagem dos ciganos, manisfetação verificável tanto nas canções populares (como uma que Carlota Joaquina cantarolava) quanto em peças teatrais. No Brasil, tendo a importância social do teatro do século XIX, os ciganos são menos ridicularizados, passando a ser representados como figuras românticas. O autor remonta a recorrência dos autores brasileiros aos modelos europeus, vendo nos ciganos uma figura valorizada tanto pelo seu exotismo como por sua proximidade do tipo europeu. Duas óperas foram executadas em Ouro Preto em 1771, “Ciganinha” e “A vingança da Cigana”, nas palavras do autor “a tradicional identificação com o crime e o comportamento desviante foi, com uma dose de piedade, diminuída enquanto acentuava-se a imagem romântica da buena dicha (leitura da sorte). As mulheres foram substancialmente transformadas de “leitoras da sorte sujas em mulheres heroínas, altamente sensuais e desejáveis” (TEIXEIRA, 2007, p. 124).

Conforme o autor, a visão estigmatizadora da cultura cigana foi sendo substituída por um encantamento a sua liberdade e “espírito indômito”. O comportamento diferenciado ganhou valorização por sua “capacidade de lidar com a dificuldade da existência diária”. Diante dos modelos Românticos e do ideal boêmio de Cervantes, emolduravam características glorificadas. Também carregavam a presença do sobrenatural e do mistério. Toma o autor como melhor exemplo da liberdade enaltecida a personagem da ópera “Carmem” de Georges Bizet (1838-1875), baseada no romance do escritor Frances Prosper Mérimée (1803-1870) e eternizada mais tarde em varias produções fílmicas.

Teixeira (2007) acrescenta uma característica de impacto no Brasil, o olhar cigano. Segundo o autor, a sociedade cigana por ter como base fundamental de transmissão de saber, e até mesmo para firmar contratos, tem o olhar como ponto de partida para compreensão entre duas pessoas. Não se sabe quando mas foram considerados portadores de um olhar mágico e poderoso, “capaz de lançar pragas e maldições”.

Já nas peças dos brasileiros Martins Pena e Manuel Antônio de Almeida, como nos livros de Manuel Antônio de Almeida (Memórias de um Sargento de Milícias), o cigano volta a ser representado como ativo do roubo e do trambique De diversas fontes (FRASER, 2005) aprendeu-se sobre eles por meio de suas formas de ganhar a vida: as mais mencionadas são a leitura de mãos e a mendicância. Outras são o comércio de cavalos, o manejo de metais, a cura, a música e a dança. O roubo de comida, roupas e também dinheiro também é um tema recorrente. Fraser (2005) também menciona uma justiça própria, como “um império dentro de outro império, já que quando entravam em conflito entre si, as autoridades locais deixavam que por si só fizessem sua justiça.

Em seu livro “Anticiganismo: ciganos na Europa e no Brasil”, Moonen (2008) dedica um capítulo inteiro à construção e à perpetuação das imagens anticiganas. Segundo ele o aparecimento dos ciganos na Europa Ocidental evidencia documentos históricos que:

(…) deixam claro que muitos destes ciganos aparentemente tinham uma conduta pouco compatível com os valores culturais europeus da época, pelo que já no Século XV começaram a ser formados os primeiros estereótipos, segundo os quais os ciganos: 1) eram nômades, que nunca paravam muito tempo num mesmo lugar; 2) eram parasitas, que viviam mendigando; 3) eram trapaceiros, sempre aproveitando-se da credulidade do povo; 4) eram avessos ao trabalho regular; 5) eram desonestos e ladrões; 6) eram pagãos que não acreditavam em Deus e também não tinham religião própria. Por causa disto, em todos os países europeus, sem exceção alguma, os ciganos passaram a ser violentamente perseguidos, e em alguns países foram até exterminados. Cigano virou palavrão; ser cigano virou crime. (Ibidem, p. 2)

O problema da perpetuação desses conceitos é que são de âmbito generalizante, ou seja, se um cigano roubou um dia, todos são ladrões, reduzindo-se milhares de pessoas a um estereótipo mal definido. Um estudo de Moonem (2008) em torno dos primeiros ciganólogos revela outro problema. Somente a partir de meados do Século XVIII foram publicados os primeiros livros sobre os ciganos europeus, e quase todos os autores reforçaram ainda mais os estereótipos negativos já existentes. Dois pioneiros dos estudos ciganos: o alemão Heinrich Grellmann (1753-1804) e o inglês George Borrow (1803-1881) segundo Moonen (2008), até hoje costumam ser citados por muitos ciganólogos. Grellmann editou traduções de seu livro sobre ciganos em varias línguas. Consta que o corpo de seu livro tem considerações de outros livros, de procedência duvidosa e sensacionalistas, sendo que ele só teve contatos esporádicos com alguns poucos ciganos. Em um capítulo sobre comidas e bebidas ciganas, transcreveu a notícia de jornais de 1782 que acusava os ciganos de serem antropófagos, ou seja, canibais, comedores de carne humana. Em decorrência da publicação, 84 ciganos foram decapitados enquanto o livro tornava-se um sucesso editorial propagando conclusões equivocadas sobre os ciganos. Borrow, tradutor e divulgador da Bíblia em vários idiomas, em seu livro sobre os ciganos apresenta uma imagem negativa e estereotipada dos ciganos espanhóis, com os quais teve contato. Antes da publicação, escreveu: “os ciganos espanhóis são o mais vil, degenerado e miserável povo na terra”. Segundo Moonen (2008) três são as imagens equivocadas que não podem ser generalizadas sobre os ciganos: a de ladrão, a de trambiqueiro e a de vagabundo.