Indícios de origem, lendas e curiosidades

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Quando e onde surgiu a quirologia ainda é um mistério para a história, pois não foram localizados dados comprobatórios consistentes, por isso, o presente trabalho tentou abranger o máximo de teorias, lendas e vestígios acerca da leitura de mãos. Trata-se de hipóteses em nível de probabilidade. Os levantes, a fim de expor o panorama que envolve a quirologia, incluíram lendas, histórias populares, interesses de figuras ilustres e curiosidades verificados em livros de quirologia, quiromancia e algumas biografias.

Segundo King (1983) é possível encontrar registros históricos de seus estudos nas escrituras de diversos povos antigos como os caldeus, tibetanos, chineses, babilônicos, sumérios, hebreus, egípcios, indianos e persas. Entre esses registros, os mais antigos que descrevem a técnica de leitura de mãos (que se aproxima da técnica propagada no Ocidente) encontram-se no Shariraka Shastra e no Samudrika Shastra, textos dos livros sagrados do hinduísmo, os Vedas, que datam aproximadamente 3000 anos a.C (VEDIC, 2005). A quirologia védica, portanto, é aquela de acordo com os ensinamentos ditados nos Vedas, a literatura sagrada dos Hindus, que é tida como uma “revelação de Deus”.

O conhecimento advindo das escrituras sagradas indianas é comumente chamado de védico, e subdivide-se em muitas áreas de conhecimento. Dentro do Samudrika Shastra existe uma rama fundamentada e especializada nos astros, denominada de Jyotish, segundo o Vedic Vydia Institute, uma das seis disciplinas do Vedanta (disciplina separada dos Vedas, mais popularizada). É considerada uma das mais velhas escolas da astrologia antiga. Tem uma origem independente, porém, interage com todas as outras escolas na Índia.

Segundo informações do Instituto indiano de astrologia, Astrogyan, “o termo em sânscrito deriva de jyótis, desmembrado em “ja”+”ya”+”o”+”t”+”ish” para chegar, respectivamente, ao significado que é “água ou nascer” + “além de” + “terra” e “estrelas” + “conhecimento””. Jyotish pode ser entendido de maneira generalizada em sua tradução como a “ciência dos corpos estelares”. Seus ensinamentos englobam a astrologia, que deu origem ao popular horóscopo, à quirologia, e que resulta em alguns apêndices como a gemoterapia (tramento por meio de pedras).

Fora do contexto indiano, o Jyotish é um conhecimento que tem acrescentado o conceito do holístico, que segundo Ferreira (2000), tem sua definição relativa à teoria do holismo que considera existir uma “tendência a interação dos elementos do universo e em especial dos seres vivos, e não de uma soma dessas partes”. 

Samudrika Shastra significa análise da mão na tradição védica, o termo sânscrito, traduzido pode ser entendido aproximadamente como “conhecimento de recursos do corpo”. Essa tradição assume que todos os códigos corporais naturais ou adquiridos representam uma marca psicológica de seu dono assim como de seu destino. Elevação , depressão, alongamento , diminuição e outras marcas se tornam relevantes. Histórias tradicionais da Índia são repletas de descrições de marcas auspiciosas encontrados nos corpos das pessoas memoráveis. Tendo como exemplos lendas sobre o príncipe Rama assim como Krishna, Gautama o Buda, e Mahavira o Tirthankara. Pode ser averiguado que tanto Hindus como Budistas compartilham está antiga tradição do Samudrika Shastra.

Os ensinamentos do Samudrika Shastra concentram-se em grande parte no estudo das características do corpo. “samudrikam tu” é especificamente o estudo das linhas da palma da mão e é o principal estudo dessa tradição. Diferentemente da quiromancia ocidental que é estudada e praticada em diversas partes do mundo, porém não  é reconhecida socialmente como um saber ou estudo eficaz , na literatura hindu antiga a leitura de mãos é um saber muito respeitado socialmente. Há uma semelhança entre quiromancia ocidental e indiana, porém, os conhecimentos da leitura de mãos indiana antiga são muito escassos, e hoje, seus conhecedores passam esse conhecimento apenas para os alunos de confiança para treiná-los sob a sua orientação. Este sistema de ensino é conhecido como “guru-shishya parampara” . Infelizmente, os conhecedores e praticantes da leitura de mãos indiana antiga são muito raros hoje e muito deve-se aos segredos guardados da “samudrikam Tu” ou a conhecida leitura de mãos pelos seus conhecedores escassos.

A precisão é a parte mais importante da leitura de mãos indiana. Os métodos esotérico e calculista de leituras das palmas podem dar detalhes de precisão não somente sobre o futuro, mas também sobre o presente e o passado. por exemplo, data e hora exata de nascimento, número de irmãos, conjugues entre outros. Acima estão algumas das características que fazem da quiromancia indiana um caminho distinto e excepcional da astrologia.

O surgimento da quirologia, sob a óptica oriental é proposto de maneira epifânica. As ferramentas metodológicas da atualidade não permitem esclarecer em que contexto, quando e principalmente como foi construída. Os registros históricos entregam uma teoria acabada atribuída a feições divinas. Seus resquícios de origem a colocam em posição de considerar a fundamentação de outra teoria igualmente questionável e criticada pela ciência, já que seus ensinamentos, na maioria dos casos, fundamentam-se em uma interligação entre os elementos das mãos e os arquétipos referentes aos astros. Porém, na leitura de mãos, utiliza-se apenas o arquétipo humano referido aos nomes dos astros, e não à influencia dos mesmos nas pessoas. Ou seja, o arquétipo de Marte, senso de independência, força para lutar e superar obstáculos.

Dentro das denominações dessa técnica de leitura de mãos, cada dedo corresponde a um astro, que rege determinado arquétipo e representa um estado de consciência Através de minuciosa análise das características desses elementos, como o formato dos dedos, seus comprimentos, textura, flexibilidade, assim como as linhas e os montes das mãos entre outros, pode-se delinear aspectos referentes a personalidade, aptidões, caráter e natureza do indivíduo.

Os tratados ocidentais de quirologia apresentam fundamentos correspondentes ao da quirologia védica. O que reforça uma ligação entre a quirologia e a cultura do oculto. Depois dos registros indianos, as escrituras de maior idade correspondem às da China, com referência no I Ching[1], “O Livro das Mutações”. Este foi objeto de interesse de Carl Jung que fez um prefácio para a obra traduzida do chinês para o alemão por Richard Wilhelm. Jung pontuou no citado prefácio “a maneira como o I Ching tende a encarar a realidade parece não favorecer nossa maneira causal de proceder”, ou seja, trata-se de um sistema informativo que não está para a lógica das preposições ocidentais. O que hoje conhece-se no ocidente como o I Ching, surgiu no período anterior a dinastia Chou (1150-249 a.C.), segundo Wilhelm (1956). Conforme Chevalier e Gheerbrant (2008), teria sido revelado a Fu-hi por um dragão saído de um rio. Baseia-se na combinaçao de duas determinações, o traço contínuo, que corresponde ao yang, e o descontínuo, à ying. Todas as modalidades do desenvolvimento da manisfetação, a partir da polarização da unidade primeira, exprimem-se em torno de todas as combinações dos trigramas que resultam 64 hexagramas superpostos. Cada um desses representa um movimento da natureza e julgamentos do mesmo que fundamentam as estruturas da sabedoria chinesa. O sistema de leitura de mãos chinês, segundo King (1983), estrutura-se em oito trigramas, e consiste em uma “arte muito diferente, em suas regras e interpretações, da quiromancia ocidental”. Não obstante, em geral fornecem leituras “inteiramente compatíveis” com as obtidas por meio das técnicas ocidentais.

Esse sistema de leitura posiona a quirologia dentro de técnicas da medicina chinesa já pesquisada pela ciência. tem uma correlação com o Doin, uma técnica de massagem que compreende os preceitos da acupuntura. Também é conhecida como Tui-ná. Os descritos montes da quirologia ocidental e védica, são entendidos como áreas musculares, ligadas à glândulas, que por sua vez estão ligadas à orgãos do corpo e às percepções do indivíduo.

Um dos principais métodos de quiromancia taoísta chinesa implica no exame das mãos conforme os trigramas padrões formados pelas linhas e, em seguida, utilizando-se o I Ching para sua interpretação.

Mais tarde tradições taoístas de leitura da mãos encontraram correlações feitas com pontos de acupuntura, meridianos e com os cinco elementos: Terra, Água, Fogo, Madeira e Metal. Os trigramas do I Ching foram ainda incorporados em seu sistema de análise de mãos , atribuindo a cada um dos oito trigramas primários em áreas específicas da mão conhecido como “Palácios”, tanto na maneira em que mais tarde quiromantes europeus atribuiram montes aos planetas astrológicos. Cada área da palma da mão foi também atribuída a uma das quatro estáções.

Para os chineses os dedos representam um símbolo do dragão e a palma, um símbolo do tigre. Diante do significado simbólico para o contexto chinês, era importante que o dragão dominasse o tigre, sendo assim, ter dedos longos representam um sinal de inteligência , riqueza e espiritualidade. A fisionomia da mão não foi o ponto principal de observação da quiromancia taoísta. Observava-se o tamanho e a forma da mão, a cor e a consistência da palma da mão, a condição dos dedos e do polegar foram considerados, além das linhas, marcas e sinais de são encontrados na palma da mão em si, porém a leitura dos trigramas em associaçao com o que eles ja sabiam sobre os meridianos e a medicina chinesa formavam um conjunto de observação.

As escrituras por conseguinte mais antigas depois da indiana e da chinesa correspondem ao Tibet, Pérsia, Egito, Mesopotâmia e finalmente Grécia de maneira respectiva. Não foram encontradas outras informações a respeito da história ou contéudo dessas escrituras, a não ser as superficialmente expostas, extraídas de autores quiromantes como Cheiro (1985) e King (1983).

Amplia o conhecimento, a transcrição do relato de uma lenda referente ao Egito:

foi relatado por historiadores judeus, que Júlio César era tão versado nos assuntos de quiromancia, que um dia recebeu em audiência um pretenso filho de Herodes, e logo descobriu o impostor, porque pode examinar em suas mãos a falta de todos os sinais de realeza. (CHEIRO, 1985, p. 20)

Em relação às informações que remontam à Grécia Antiga, todos os livros sobre quirologia que consta das referências do presente trabalho citam o filósofo Anaxágoras como estudante da prática e explanam uma lenda, “sem aceitar sua verdade literal”, palavras de King (1983), que conta como a quiromancia atingiu a Europa. Conforme a lenda “o filósofo Aristóteles visitou o Egito, e descobriu um manuscrito em letras de ouro no altar de Hermes, abordando a quiromancia, e o encaminhou a Alexandre, O Grande”. Cheiro (1984) acrescenta que Aristóteles escreveu um texto dedicado a Alexandre, intitulado “Chiromancia“, qualificando-a como “estudo digno de atenção de uma mente elevada e indagadora”.

Os livros estudados, também sem exceção, fazem referência às passagens bíblicas como exemplo: “Deus selou a mão de cada homem, para que todos os homens possam conhecer a Sua obra” (BÍBLIA, A.T., livro de Jó, 37:7). Segundo Cheiro (1984) o original hebraico reza: “Beyad-kol-‘âdâm yakhthôm lâdoa at kol-anschêi ma’asseohu”. Outra alusão aos sinais nas mãos nas palavras de Rei Salomão, “Aumento de dias há na sua mão direita; na sua esquerda, riquezas e honra” (BÍBLIA, A.T., Provérbios de Salomão, 3:16).

Já na Idade Média, é possível sair do estado mítico e constatar informações que, apesar de não revelarem a origem do conteúdo exposto, preservaram a integridade do material, reservado das modificações que o saber oral pode estar exposto. Trata-se da existência de tratados e manuscritos de quiromancia, como o intitulado “História de dois Mundos” de Robert Fludd, publicado no início do século XVII e outro que data século XV (KING, 1983).

Segundo Vasari (19–), um biógrafo de Leonardo da Vinci, entidade que se encaixa nesse contexto, o pintor possuía um livro sobre Quiromancia, com anotações feitas por ele, intitulado “Da Quiromancia” (possivelmente a Chiromantica scientia naturalis ad dei lauden finit, ed. Veneziana de 1480)

Ainda na Idade Média, a quirologia e a quiromancia foram fortemente ligadas à “bruxaria”, seus conhecedores foram perseguidos e condenados à morte e muitos manuscritos retirados de circulação, apreendidos e queimados em público ou reservados para leitura de poucos personagens ocultos. 

Torna-se viável para a compreensão do imaginário acerca da quirologia, notar que ela compõe a gama que arranja as chamadas “ciências ocultas”, com forte literatura amparada na Teosofia. Fundada por Helena Petrovna Blavatsky no final do século XIX, em um contexto pessoal de comunicação com entidades invisíveis, e intimamente ligada a cultura religiosa e o conhecimento valorizado no extremo oriente, principalmente Índia. Segundo Blavatsky (2002), a teosofia pode ser definida como corpo doutrinário que sintetiza filosofia, religião e ciência, que está presente em maior ou menor grau em diversos sistemas de crenças ao longo da história. A Teosofia, segundo Blavatsky (2002, p. 7), é “o substrato e a base de todas as religiões e filosofias do mundo, ensinada e praticada por uns poucos eleitos, desde que o homem se converteu em ser pensador. Considerada do ponto de vista prático, é puramente ética divina”. Outras pessoas desde então, deram continuidade e formam até hoje à “Sociedade Teosófica”, com membros em variados países.

É de domínio popular a informação de que a quiromancia ou quirologia foi esparzida pelos ciganos. Segundo Charles Godfrey Leland (2000), que no século XVIII tornou-se membro de uma Sociedade de Sabedoria Cigana e publicou um tratado de quiromancia atualmente publicado pela editora Madras, em que cogita-se a possibilidade da quirologia ter sido introduzida no ocidente por intermédio das migrações ciganas. Krumm Heller, que escreveu “Tratado de quirologia médica”, livro teórico, afirma que os ciganos só atribuem descrédito a prática, visto que justificavam seus acertos interpretativos a seus poderes divinatórios. Porém, segundo Leland (2000), se por um lado os ciganos desvirtuaram a possibilidade de um desenvolvimento científico da quirologia, por outro, possuem o mérito de mantê-la viva, através dos tempos, pois, transmitindo seus conceitos de boca em boca, evitaram que a mesma caísse no ostracismo. O autor também pontua que tão importante foi a contribuição dos ciganos que muitos quirólogos modernos iniciaram suas pesquisas a partir dos fundamentos da Quiromancia Cigana.

Os estudos de Fraser (2005) a respeito da origem da etnia cigana apontam a Índia como ponto de partida. Ao relacionarmos os manuscritos mais antigos que ensinam a prática quirológica e a provável origem dos ciganos, pode-se, hipoteticamente, relacionar a eles a introdução da quirologia na Europa.

Atualmente, em nível acadêmico, segundo King (1983, p.6), desenvolve-se um estudo denominado dermatoglifia, que consiste no estudo científico das impressões digitais. O termo foi introduzido pelo Dr. Harold Cummins, o pai da análise de impressões digitais . “O método dermatoglífico permite obter informações a respeito do potêncial genético do indivíduo através de análise de impressões digitais”. Seu uso é possível na teoria e na prática da orientação dos esportes modernos e da metodologia do treinamento visando resultados de altíssimo nível. Segundo a American Dermatoglyphics Association como “a análise das ID´s podem revelar uma série de patologias congênitas e defeitos do desenvolvimento, por exemplo, Síndrome de Down”.

Existiram muitos quiromantes famosos. Dentre eles o quiromante francês do século XIX, Casimir D’Arpentigny, o psicólogo alemão Julius Spier, o ingles Louis Hamom, que usou o pseudônimo de Cheiro, é uma referência no universo da quirologia e atendia a corte inglesa.

Transcrever-se-ão algumas informações em torno da figura deste autor, com o intuito de expandir os conhecimentos, conceitos, e linguagem que compõem a esfera quirológica. Cheiro atendeu em consultas particulares e tirou a impressão das mãos “de coroadas cabeças da Europa, presidentes de república e líderes comerciais” (CHEIRO, 1985, p. 11), em uma inabalável trajetória de famoso quiromante no mundo ocidental. Previu com exatidão acontecimentos envolvendo figuras públicas de variados países que eram divulgados anos antes em noticiário próprio que levava o nome de “Cheiro’s World Predictions” e acabava por render matérias em jornais europeus da época. Escreveu, no fim da vida, obras explicativas para diferenciados públicos-alvo acerca de como praticar a quirologia.


[1] Livro apócrifo atribuído à cultura chinesa.

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