O olhar acadêmico

Padrão

O trabalho que foca a organização e principalmente a interação da quirologia, não pode deixar de abordar tanto os preceitos populares, quer sejam especulação ou não, quanto os preceitos científicos acerca do assunto. Resolvi disponibilizar para meus leitores uma breve pesquisa sobre como a ciência encara a leitura de mãos. Trata-se de uma curiosidade, porém, um conhecimento que nos leva à visão de como a sociedade pode considerar a ciência para basear suas opiniões sobre a leitura de mãos. Também vale para aquelas pessoas que ousam dizer que a quirologia é uma ciência, para que repensem seus termos de linguagem e denominação, pois somente traz descrédito afirmar que algo pertence a ciência sendo que isso não pode ser comprovado, nem ao menos, verificado algum estudo científico sobre.  Do mais, conhecer o olhar acadêmico é de grande valia, pois já acostuma o aspirante a quirólogo ou quiromante conviver com as criticas que encontrará ao longo de seu caminho. 

Tratando-se especificamente de leitura de mãos, na acepção de quirologia, não foram encontradas realizações científicas específicas, em que a técnica seja o foco do objeto de pesquisa. A abordagem das teses e artigos citados não assinala diferenças entre o método quirológico e o adivinhatório pertencente à quiromancia. No entanto, tomando a leitura de mãos em seu sentido de quiromancia, ou seja, adivinhação por meio da análise das mãos, pôde-se observar estudos sobre superstição, magia, rituais mágicos e pseudociência que abordaram a leitura de mãos como integrante desse conjunto.

Em seu trabalho acerca da superstição, Almeida (2000, n.p.) enfoca o conceito da mesma na idéia de sobrevivência, ou seja, superstição como “algo que persiste remetendo a épocas e estágios primitivos e inferiores”. Sua pesquisa apóia-se nas “teorias das sobrevivências”, de Tylor, para concluir que é “tanto uma fonte de saber da humanidade (…) como é uma pseudociência, relevando-se, sobretudo, as teorias das “ciências do impreciso”, de Abraham Moles, e o cientificismo de Carl Sagan”.

Segundo o autor, o significado de superstição remete ao seu étimo latino superstitio, que originou superstes que significa sobreviventes. Pelo verbete o autor observa a seguinte definição: “Na concepção etimológica-antropológica de Tylor, é o que persiste das antigas idades”. E acrescenta:

(…) sentimento religioso baseado no temor ou na ignorância e que induz ao conhecimento de falsos deveres, ao receio de coisas fantásticas e a confiança em coisas ineficazes; crendice; crenças em presságios tirados de fatos puramente fortuitos; apego exagerado e/ou infundado a qualquer coisa. (ALMEIDA, 2000, n.p.)

A superstição abrange os mitos, fábulas, contos populares, o absurdo e o irracional. Partindo dessa estruturação, explica-se a “teoria das sobrevivências”, conceituada pelo que sobrevive da cultura mais primitiva ao se chocar com outra. É nesse contexto que a quirologia, no âmbito do ocultismo assim como rituais populares são expostos como “sobrevivências de um estado de espírito anterior, de traços de cultura mais primitivos no meio de sociedades mais adiantadas”. Todas as teorias citadas acima dão inicio a sistematização do conhecimento da superstição, e são, aos olhos do autor, reveladoras do “poder do imaginário em função de uma utilidade cotidiana e/ou satisfação psíquica” (Ibiden).

A superstição recebe duas classificações: somática ou clássica, aquela que tem referências históricas; e, pseudocientífica, a que busca referência nas manifestações contemporâneas. É no segundo grupo que o termo quiromancia ou simplesmente leitura de mãos é citado pelo autor ao lado de práticas como mediunidade, telepatia, curas de curandeiros e numerologia, ou seja, toda a gama das terapias alternativas ou chamadas de holísticas. Ao classificar esse corpus pseudocientífico, questiona se, realmente de fato, tudo que foi citado é acertadamente pseudociência. A questão fica em aberto, pelo caráter desconhecido das práticas pontuadas, e com o intuito deste autor não tomar vias reducionistas em seu caráter analítico de pesquisador científico.

Ponto importante colocado pelo qual Almeida (2000) é a presença hodierna da mídia. Definitivamente ela facilitou o acesso, a comercialização e a popularização das tidas pseudociências, independente de terem sido aclamadas pela pesquisa científica por sua probidade. Sem possuir reconhecimento da comunidade científica, o autor afirma manterem-se autônomas na multiplicidade de suas manifestações, sem ter uma epistemologia delineada. Relata a falta de esforços e clareza metodológica para realmente divulgarem resultados. Comenta a comum vertigem de precisão, já que a superstição, pseudociências ou ciências do impreciso possuem conceitos de enunciação vagos por excelência, como também é freqüente seus adeptos ou estudiosos escorarem-se em suportes científicos. Mantém como uma impossibilidade experimentada, o que vai justificar o jogo gratuito com as coisas da natureza, a mistificação, a boa ou má fé (seguida, geralmente do oportunismo) e de uma “estupidez metódica”.

As ciências do impreciso procuram abranger os fenômenos, as capacidades e os problemas do espírito. Essas áreas, terreno apropriado pelas pseudociências, são, até então, inapropriadas para a ciência. Tratando-se de ciências do impreciso, Almeida (2000) toma como referência principal Abraham Moles. Moles reconhece tanto a invenção como a existência do transcendental. Segundo ele, falta-nos “descobrir seu papel e definir o que significa “ter certeza” dentro do mundo dos valores intelectuais”. O autor não ignora a oposição trilhada pelas pseudociências à imagem da ciência em suas considerações metodológicas e na definição de sua epistemologia, e acrescenta o valor do sucesso como propósito desse caminho, ou seja, as ciências do impreciso como via de acesso ao poder. O autor pontua alguns padrões e características de pseudociências baseadas na superstição:

  • materialização carecendo de comprovação científica;
  • dicotomia de probabilidades incertas entre possível e impossível, concebível e inconcebível;
  • “impossibilidade experimentada”, ou seja, situações que envolvem pessoas vivenciando fenômenos ou fatos inexplicáveis a luz da ciência;
  • escoro em suporte científico ou religioso;
  • definições vagas advindas de fatos fluidos;
  • presença de uma suposta “encarnação do poder” seja por meio da cura, ligação cósmica ou expiação.

Moles (apud ALMEIDA, 2000) prevê duas alternativas advindas da acepção das ciências do impreciso. Todas as duas refletem uma crise ou conflito entre o homem e a ciência: tomando a demonstração de precisão nos resultados das ditas ciências do impreciso porém a impossibilidade de compreensão de seus mecanismos cria uma oposição à ciência dentro de sua capacidade de agir no cotidiano humano; a segunda situação declara o pensamento científico como “totalitarismo de espírito, considerando que todo fato totalitário conduz a uma oposição permanente e inerente a sua natureza” tendo a única forma de se opor a racionalidade universal o abrigo dos “novos deuses”. Moles (ibdem) salienta o fato da racionalidade total não caber à humanidade, todavia torna-se sensato a ciência investigar a visão irracional do ser humano já que essa também é um determinante de nossas ações como fator de variância.

Diante das constatações passadas pelas teorias descritas, o que torna a superstição uma sobrevivente tão antiga e tão popular até mesmo entre esclarecidos? A resposta enunciada por Almeida (2000) é a linguagem. Ele constata certos traços como: a simplicidade, o enunciado de propriedades tidas como plenitudes de princípios existências ou metafísicos, a transferência de moral e responsabilidade, o sinal de advertência, a evocação de um conselho, a relação com o cotidiano, o receptor que não se opõe a sua tradição e o acarretamento do corpo da memória coletiva das experiências humanas (signo icônico-utilitário é a mensagem para alguém).

Diante da descrita identificação em face a eficácia e aspectos da linguagem utilizada pela pseudociência, Almeida (2000, n.p.) tenta associar semiótica e superstição sob o modo filosófico. Ampara-se teoricamente em Levi-Strauss, Deleuze e Guattari para afirmar “ser a superstição um platô, ou seja, uma zona de intensidade contínua do processo de informação/comunicação na qual há um regime de signos, uma expressão autônoma, suficiente e eficiente composta por enunciados”. Diante de sua sobrevivência e popularidade, a pseudociência estabelece um processo comunicativo que independe de seu conteúdo já que representa um mecanismo de tradução de símbolos imprevistos pela ciência. Segundo Foucault (apud Almeida, 2000, n.p.) “no regime de signos todas essas teorias ou enunciados são funções da existência da linguagem”, o que naturaliza a força da superstição.

Em seus estudos, o folclorista Antonio de Paiva Moura (apud ALMEIDA, 2000) identificou “certo orgulho” da comunidade científica européia do século XIX, em “dizer que outros povos eram supersticiosos e eles eram esclarecidos”. Todavia, mesmo que esse orgulho possa representar um posicionamento recorrente da comunidade científica, o folclorista aponta o fato das práticas tidas como supersticiosas estarem em paralelo com o desenvolvimento científico em todo o mundo, e, que pessoas de variados posicionamentos de crença acabam por recorrer às pseudociências também em todo globo terrestre.

Fica claro que não se podem realizar estudos acerca da superstição sem coligar o preconceito em variadas nuances e sob variadas circunstâncias. Em seu conceito, a superstição pressupõe uma crença e representa um aspecto e fato cultural que acompanha a humanidade desde épocas imemoráveis, sendo acertada como uma tradição. Porém Almeida (2000) ocupa-se do questionamento: até que ponto a superstição é um preconceito? Há, conforme ele um equívoco semântico em ter-se atualmente como significado de preconceito, superstição. O autor coloca o lugar da superstição na sociedade por meio de diferenciações entre a mesma e o preconceito:

Na nossa opinião, a superstição é um produto da aculturação, enquanto o preconceito é individual; a superstição é estabelecida no meio social, o preconceito é pré-concebido; a superstição releve condições coletivas e é altruísta; o preconceito é alienante; a superstição resulta da psicologia social popular (id, inconsciente coletivo); o preconceito é uma “neura” (ego); a superstição pressupõe tomar uma atitude diante de um referente de “sobrevivência”; o preconceito provoca uma ruptura; a superstição é linguagem, o preconceito é monólogo; a superstição é agregativa, abrangente, o preconceito é restritivo. (ALMEIDA, 2000, n.p.)

Passando para uma interpretação sistêmica da superstição, estabelece-se uma crítica da crendice. Segundo o Almeida (2000), os maiores detratores das crendices populares são cientistas que não aceitam a interferência de sua proposta “ingenuamente sábia”, em face de seus parâmetros não se solidificarem nos princípios da legitimidade aceita pela comunidade mundial cientifica. De todos eles, Carl Sagan seria o mais severo em suas expressões, já que coloca a superstição responsável por respostas fáceis que esquivam-se do exame cético, banalizando a experiência e aproveitando-se da credulidade, generalizando-a em pura charlatanice. Porém, admite que ela fala às necessidades emocionais poderosas das quais a ciência não se ocupa. Abraham Moles também a coloca como “reducionismo aceito” sob a justificativa da pseudociência não respeitar ou considerar os limites impostos pela natureza, podendo se tornar uma “doença do espírito”. Festinger, a vê como o meio mais seguro e eficaz de governar os homens, tendo em vista que a credulidade é mais fácil em ceder à manipulação.

Tesmer (2008) investigou e avaliou o relato de três pessoas que passaram pela intervenção ritualística mágica e que foram bem sucedidas em solucionar seus problemas. A análise do autor foi feita sob a identificação dos princípios comunicativos empregados nos três casos e na construção de uma teorização da eficácia sob o amparo do discurso simbólico. Segundo o mesmo, a magia é uma manisfetação extrema da função simbólica, onde os signos não somente podem significar como podem produzir ou promover acontecimentos nas vidas das pessoas. Ocorre uma “re-significação” sob a condução dos agentes pseudocientíficos.

Nesse espaço teórico, a quirologia ganha espaço quando o autor analisa o diagnóstico realizado nos casos para identificar o problema dos consultados. O diagnóstico na maioria dos casos é feito por intermédio da leitura das mãos. Essa é utilizada de maneira a impressionar os consulentes pela precisão e coerência dos dados pessoais descobertos pelo agente pseudocientíficos. Segundo o autor o próprio cliente dá as informações durante a entrevista que o quirólogo parece “descobrir”. O agente faz comentários de alto nível de generalidade de forma proativa com o intuito de captar as respostas e estímulos que produzem no cliente. Com essas informações obtidas, o quirólogo pode perceber qual é o contexto sociobiográfico que a pessoa se encontra e formular proposições suficientemente vagas para conectar com a vida dos mesmos. Conforme a teoria hipotética, o manejo de elementos simbólicos abre a mente à múltiplas associações e permite relacionar diversos níveis da realidade

Gómez (19–) em seus estudos acerca de grupos sociais e as práticas mágicas identificou que as pseudociências ou magia se posicionam de maneira marginalizada na sociedade, já que funcionam de modo autônomo e independente frente às prolações científicas. Também identifica uma maior aproximação das mesmas com os setores menos privilegiados da sociedade. Nesse artigo como nos outros citados, há um reconhecimento de uma comunicação simbólica nesses sistemas “mágicos”, e ainda mais, um sistema de linguagem que varia de acordo com os grupos culturais e sociais. Nas palavras da Gómez (19–), por detrás da marginalização das técnicas mágicas se esconde o medo e temor por algo que não se conhece completamente, algo estranho ou incompreensível.

Deixe um comentário